A Bíblia menciona no paraíso duas árvores: a da ciência do bem e do mal e a da vida (Gn 2,9).
O PARAÍSO TERRESTRE
O documento javista, além de apresentar o casal humano e sua dignidade no mundo, aborda a difícil questão da origem do mal ou o tema do pecado original.
Este assunto tem sido muito controvertido nos últimos decênios; não é de alcance das ciências naturais nem da filosofia, mas pertence ao plano da fé. Por isso poderá ser devidamente considerado se levarmos e conta as declarações do magistério da igreja atinentes á temática do pecado original.
É o que vamos fazer, estudaremos o texto bíblico em seus aspectos linguísticos e humanos e procuraremos ouvir o que a respeito tem dito a Santa Igreja no decorrer dos séculos. O primeiro ponto a encarar é o do paraíso terrestre (Gn 2,8-15).
A bíblia nos fala de um jardim ameno, irrigado por quatro rios:
· Fison,
· o Geon,
· o Tigre
· e o Eufrates.
Os estudiosos têm procurado localizar esse paraíso: o Tigre e o Eufrates são rios da Mesopotâmia muito conhecidos, mas o Geon e o Fison não podem mais ser identificados.
Foram propostas, no decurso dos tempos, cerca de oitenta sentenças para situar o paraíso terrestre. Hoje em dia, porem, os estudiosos julgam que esse “jardim bíblico’’ não significa um lugar determinado, mas tão somente o estado de harmonia e felicidade que o homem foi levado logo depois de criado.
Com efeito, o rio é, para os antigos, símbolos de vida e fecundidade; quatro é o número que designa a totalidade das coisas deste mundo; por conseguinte, quatro rios significa o bem-estar e exterior de que gozavam os primeiros pais logo após a criação.
Na verdade, quem lê atentamente o texto bíblico, verifica que os primeiros homens gozavam de dons especiais constitutivos da “justiça original”; esta compreendia:
1) a filiação divina ou a graça santificante ou a elevação do homem á condição de filho de Deus chamado a participar da vida e da felicidade do próprio Deus. É o que se deduz do texto sagrado, o qual indica claramente que Adão vivia na amizade com o criador. Este dom é dito “sobrenatural”, isto é, ultrapassa todas as exigências de qualquer criatura.
2) Os dons preternaturais, isto é , que ampliavam as perfeições da natureza:
a) a integridade, pois em Gn 2,17; 3,3s.19 a morte é apresentada como conseqüência do pecado; isto significa que, antes do pecado, o homem não morreria dolorosa e tragicamente como hoje morre;
b) a impassibilidade, ou ausência de sofrimentos, pois estes decorrem da sentença condenatória de Gn 3,16;
c) a integridade ou a imunidade de concupiscência desregrada, visto que os primeiros pais, antes do pecado, não se envergonhavam da sua nudez (Gn 2,25; 3,7-11); os seus instintos ou afetos estavam em consonância com a razão e a fé; não havia neles tendências contraditórias;
d) a ciência moral infusa, que os tornava aptos a assumir as suas responsabilidades diante de Deus. Os dons da justiça original não implicam que os primeiros homens fossem formosos; terão sido dons meramente interiores, compatíveis com a configuração rude e primitiva que as ciências naturais atribuem aos primeiros seres humanos.
A Bíblia menciona no paraíso duas árvores: a da ciência do bem e do mal e a da vida (Gn 2,9).
Hoje em dia, sabe-se pelo estudo das literaturas antigas que a árvore era um símbolo religioso assaz freqüente; é, pois, em sentido simbólico que entendemos as árvores de Gn 2.
A árvore da ciência do bem e do mal designa um preceito ou um modelo de vida que daria ao homem a ciência ou a experiência concreta do que são o bem e o mal.
Era justo que Deus indicasse ao homem um modelo de vida, pois o homem, elevado á filiação divina não se deveria reger apenas por critérios racionais ou naturais, mas deveria seguir uma norma de vida incutida pelo próprio Deus. Devemos renunciar a pedir pormenores desse modelo de vida.
Quanto à árvore da vida, pode-se crer que ela dava ao homem o fruto da vida perpétua ou o sacramento da imortalidade; o homem saberia assim que a imortalidade é um dom de Deus.
O PECADO DOS PRIMEIROS PAIS
Em Gn. 3, 1 entra em cena a serpente como “o mais astuto de todos os animais do campo”.
Tal serpente é imagem do demônio tentador. O livro da sabedoria (2,23) diz que “Deus não fez a morte, mas esta entrou no mundo por inveja do demônio”; e Jesus, aludindo a Gn 3, chama o maligno “homicida desde o início, mentiroso e pai da mentira” (Jo 8, 44).
O demônio é um anjo, que Deus criou bom, mas que se rebelou contra o criador por soberba (vê-se que desde as suas primeiras páginas a escritura supõe e afirma a existência dos anjos, especialmente a dos anjos maus). O autor sagrado quis simbolizar o maligno mediante a figura da serpente, porque está freqüentemente na Sagrada Escritura representa o homem malvado e fraudulento (Gn 49,17;Is 59,5; Mq 7,17; Jó 20,14-16; Sl 140 [141],4). Mais: é de observar que a serpente era, para os cananeus (antigos habitantes da Terra de Israel), uma divindade associada á fecundidade e á vida; ora, precisamente para condenar essa figura, o autor sagrado talvez tenha apresentado o tentador sob forma de serpente; assim a descrição da serpente paradisíaca assumia, para o israelita, o valor de admoestação contra a sedução dos cultos idólatras que cercavam a verdadeira religião.
Não é necessário admitir que a mulher tenha visto uma serpente diante de si, mas pode-se dizer que o diálogo entre o tentador e a mulher foi meramente interno, como acontece geralmente nas tentações do pecado.
Em Gn. 3,6s está dito que os primeiros pais comeram da fruta proibida. Isto quer dizer que desobedeceram a Deus ou não aceitaram o modelo de vida que o Senhor lhes havia apontado.
A raiz desse pecado foi a soberba. Notamos que a serpente, ao tentar os primeiros pais, disse explicitamente: “No dia em que comerdes..., os vossos olhos se abrirão e sereis como Deus, versados no bem e no mal” (Gn 3,5).
Precisamente o homem quis ser como Deus, capaz de definir o que é bom e o que é mal, sem ter que pedir normas ao Senhor. A soberba é o pecado do espírito, o único que os primeiros homens, portadores, da harmonia original, podiam cometer. A soberba se exteriorizou em determinado ato, que não podemos identificar.
Há quem diga que o primeiro pecado foi de ordem sexual. Argumentam afirmando que:
· A ciência ou conhecimento na bíblia significa por vezes o relacionamento sexual (Gn 4,1.17.25);2) os primeiros pais estavam nus, e não se envergonhavam um do outro ( 2,25), mas após o pecado se recobriram (3,7) a mulher foi punida pelas dores do parto ( 3,16).
A PROPÓSITO OBSERVAMOS:
· Quando se trata do relacionamento sexual, o texto sagrado diz “conhecer sua esposa” (Gn 4,1.17.25), ao passo que em Gn 2,17;3,5 se lê “conhecer o bem e o mal”;
· o aparecimento da concupiscência sexual e a vergonha se seguem á culpa e não a precedem. como seria lógico no caso de um pecado sexual ;
· A mulher, punida pelas dores do parto, foi atingida em sua função específica de sua mãe, como o homem, condenado a ganhar o pão ao suor da sua fronte (3,19), foi atingido em sua função típica de trabalhador; não há, pois, necessidade de recorrer ao pecado sexual para explicar o tipo de punição da mulher.
VEJAMOS AGORA!
AS CONSEQÜÊNCIAS DO PECADO
Enumeremos as conseqüências do pecado:
1) em relação aos primeiros pais e 2) em relação aos seus descendentes.
1. Em relação aos primeiros pais, o pecado acarretou a perda da justiça original, ou seja, da filiação divina e dos dons que a acompanhavam. O texto sagrado (Gn 3,7) diz que, após o pecado, “abriram-se lhes os olhos e reconheceram que estavam nus”.
Essa nudez é, antes do mais, o despojamento interior ou a perda dos dons originais; a concupiscência ou a desordem das paixões se manifestou; por isto sentiram a necessidade de se vestir a fim de encobrir a sua natureza desregrada.
Não há dúvida, a diversidade de tendências dentro do homem é algo decorrente da própria natureza humana (sensível e espiritual, ao mesmo tempo); todavia ela estaria superada se o homem não tivesse pecado em suas origens; ela hoje existe como conseqüência do pecado. Da mesma forma, os homens perderam o Dom da imortalidade (ou o poder de não morrer); sem dúvida, a morte é um fenômeno natural, inerente à criatura, mas a sua realidade hoje é conseqüência do primeiro pecado, conforme a Sagrada Escritura (Rm 5,12.19). O mesmo se diga em relação ao sofrimento; é um dos precursores da morte.
O pecado acarretou também a desarmonia no mundo irracional que cerca o homem; este já não é o ponto de convergência das criaturas inferiores: ao contrário, estas muitas vezes prejudicam o homem e lhe negam a sua serventia; tendo-se rebelado contra Deus, o homem sente contra si a rebelião das criaturas inferiores.
Depois da queda, o Senhor Deus quis interrogar os primeiros homens (Gn 3,8-13). As respostas são bem características de quem é culpado: o homem, antes de confessar, acusa, com certa covardia, a esposa como causa da sua desgraça (3,12); da mesma forma, a mulher acusa a outrem, a serpente (3,13).
Ambos silenciam o verdadeiro motivo da sua desobediência: a soberba ou o desejo de serem iguais a Deus, arbitrando entre o bem e o mal ou definindo a sua própria regra de vida. Na verdade, o pecado acordava o homem e separa-o do seu semelhante e mesmo mais íntimo amigo.
Todavia o senhor não quis apenas condenar os pecadores. Ao mesmo tempo, propôs-lhes a esperança da reconciliação, que é chamada, no caso, “proto-evangelho” (ou primeiro Evangelho). Ler Gn 3,14s...
A sentença sobre a serpente não recai sobre o animal irracional, mas sobre o tentador: “rastejar e comer a poeira da terra” são imagens que significam derrota (os vencedores , na antigüidade, colocavam os adversários derrotados no chão, debaixo de seus pés); o texto sagrado quer dizer assim que o demônio é um lutador já vencido; poderá maltratar os fiéis de Deus no decorrer da história, mas pode estar certo de sua derrota final. Para corroborar esta afirmação, o Senhor promete colocar inimizade entre a serpente (o tentador) e a mulher, entre a descendência da serpente (os homens maus) e a descendência da mulher (os homens bons) – o que significa: promete reconciliar a mulher e os seus descendentes com Deus.
A mulher, no contexto, só pode ser Eva; a sua descendência são os homens bons, que não seguem as sugestões do tentador; todavia o papel da mulher e o de sua descendência só se tornaram plenos e perfeitos em Maria e em seu filho Jesus Cristo; por isto o proto-Evangelho alude indiretamente a Maria e a Jesus Cristo, prometendo a vitória do Senhor Jesus sobre o maligno através da Cruz e da Ressurreição.
Em relação aos descendentes dos primeiros pais, o pecado original tornou-se algo de herdeiro.
Dizemos que todos nascem com a culpa original. Todavia é preciso entender que não se trata de culpa pessoal ou de pecado voluntário nos descendentes de Adão e Eva. Nestes o pecado original consiste na ausência dos dons originais (graça santificante, dons preterna-turais), que os primeiros pais deviam ter guardado e transmitido, mas não puderam transmitir porque pecaram.
A criança que hoje nasce, devia nascer com a graça santificante, mas isto não acontece; ela nasce destoando do modelo que o Senhor lhe tinha assinalado; essa dissonância (que implica a concupiscência desordenada e a morte) é que se chama, por analogia, “pecado original” nos pequeninos.
Por que Deus quis a culpa dos primeiros pais assim repercutisse nos seus descendentes?
Seria Deus vingativo? A criança, que não pediu a eventualidade de nascer, muito menos pediu nascer com pecado!
Em resposta, diremos: toda criança que vem ao mundo, nasce dentro de um contexto social geográfico do qual é solidária; assim há crianças que nascem no Brasil, outras na China, outras em Biafra, outras na Europa; há crianças que nascem no século XXI, outras nasceram no século II a. C., outros no século X d.C..
Cada uma traz a herança da família, do lugar e da época em que nasce.
Essa solidariedade é palpável também no seguinte caso:
* imaginemos um pai de família que numa noite perde todos os seus bens numa jogatina de cassino; os filhos desse homem não têm culpa, mas hão de carregar as conseqüências (miséria, fome...) decorrentes do desatino de seu pai. Ora a solidariedade mais fundamental que cada um de nós traz, é a solidariedade com os primeiros pais: estes perderam os dons originais, nós sem culpa nossa, somos afetados por essa perda o que é muito lógico. Vê-se, pois que a transmissão do pecado original não se deve a intenção vingativa de Deus, mas é conseqüência da índole mesma da natureza humana.
Há porem, quem julgue que o ato de gerar é pecaminoso se por ele se transmite o pecado dos primeiros pais. Respondemos que o ato biológico de gerar foi instituído pelo próprio criador; em si ele nada tem de pecaminoso; transmite a natureza como se acha nos genitores; tal ato não é a causa do pecado original ou do estado desregrado em que nascem as crianças, nem podem exercer influxo sobre tal estado.
O ato biológico de gerar poderia transmitir também a graça santificante se os primeiros pais a tivessem conservado. O que a geração não dá, isto é , a graça santificante , a regeneração ou batismo o deve dar. Por isto, é que não se deve protrair o batismo das crianças. O segundo Adão, Jesus Cristo, readquiriu a filiação divina para o gênero humano e a comunica mediante o batismo.
A doutrina do pecado original pertence estritamente ao patrimônio da fé. Não é lícito reduzir o conceito de pecado original ao de “pecado do mundo”, como se não fosse mais do que o acúmulo de faltas pessoais que se cometeram desde o início da história, fazendo que todo homem seja, desde os seus primeiros anos, seduzido ao mal.
Os povos primitivos antigos e contemporâneos têm a noção de que os males existentes no mundo não são originais nem devidos ao criador, mas provêm de uma culpa dos primeiros homens ou de um pecado original; tal crença, tão generalizada como é, pode ser entendida como valioso argumento em favor da doutrina católica.
PARA REFLEXÃO
1) Podemos dizer onde ficava o paraíso terrestre?
2) Em que consistia a “justiça original”?
3) Que significa o preceito de não comer do fruto da árvore da ciência do bem e do mal?
4) Em que consistiu o pecado dos primeiros pais?
5) Quais as conseqüências desse pecado?
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