O ser humano é chamado a superar ambigüidades, a escolher rumo construtivo, a definir sua identidade pessoal e a optar por causas humanas que o fazem transcender.
Mais do que a morte de Ghandi, a morte de Cristo trouxe unidade entre os discípulos de Cristo, seus apóstolos, e os cristãos que foram surgindo na Igreja primitiva de Jerusalém.. Jesus Cristo criou a unidade entre os judeus cristãos e os gentios cristãos. Infelizmente, a unidade, na história de Ghandi, durou pouco. Rapidamente, a união entre os hindus e os muçulmanos começou a falhar. E também, infelizmente, passaram-se apenas poucos anos antes que a unidade entre os cristãos começasse a sofrer. Paulo escreveu à igreja de Éfeso sobre este problema de desunião, e podemos ler sobre isso em Efésios 2.
Hoje, a unidade entre os cristãos ainda sofre. Freqüentemente, discussões e lutas internas têm, não apenas dividido igrejas, mas também feito com que cristãos abandonem a igreja, e até a Deus. A unidade não é uma via de mão única, ou a imposição de um ideal sobre outro. Unidade é respeito e reconhecimento. Hoje, tanto os ideais de Ghandi sobre unidade e paz quanto a carta de Paulo à igreja de Éfeso nos dão uma luz a seguir para nossa liderança servidora no nosso trabalho, na nossa igreja local, nosso grupo de jovens, nossa família e aqueles que estão ao nosso redor a cada dia.
Qual é o modelo das relações humanas cristãs?
É mais do que um adesivo de pára-choque. "Nisto consiste o amor: não em que nós tenhamos amado a Deus, mas em que Ele nos amou e enviou Seu Filho como propiciação pelos nossos pecados. Amados, visto que Deus assim nos amou, nós também devemos amar uns aos outros" (I João 4:10 e 11).
Diz-se que o pai da independência indiana, Mohandas Ghandi, declarou: "Eu gosto do seu Cristo. Eu não gosto dos seus cristãos, pois eles são tão diferentes do seu Cristo." Ser líder servidor cristão não é simplesmente algo que dizemos, um slogan que repetimos, um rótulo que usamos, um atraente adesivo de pára-choque.
Primeiro, é um relacionamento de amor e confiança com uma pessoa viva, real, Jesus Cristo, que deu tudo por nós. Depois, é uma transformação radical de nossa vida, especialmente na área que mais importa: nosso relacionamento com outras pessoas. Ser cristão significa nada menos do que ser semelhante a Cristo na maneira como nos relacionamos com as pessoas e interagimos com elas. Tanto o estabelecimento de uma nova relação de amor e confiança em Deus através de Jesus Cristo como a reorientação de nossa vida de forma a tratar as pessoas da maneira como Cristo as tratava, são obras sobrenaturais do Espírito Santo por nós e em nós. É claro que precisamos responder ao Espírito, mas é a iniciativa de Deus e Sua energia criativa que nos torna filhos de Deus. É Seu poder transformador que nos capacita a viver como filhos de Deus.
Vivemos num mundo que progride, que evolui... Percebemos uma força que impulsiona tudo à plenitude; há um dinamismo presente na Criação... Tudo vem de Deus e tudo volta para Deus; toda a realidade está envolvida pelo Amor criativo e dinâmico de Deus. No centro desse movimento estamos nós, seres humanos, chamados à vida, à comunhão, a realizarmos um projeto que é o sonho de Deus.
O ser humano é chamado a superar ambiguidades, a escolher rumo construtivo, a definir sua identidade pessoal e a optar por causas humanas que o fazem transcender. Ele é impulsionado a mergulhar na própria existência humana “misteriosa”, e contar com a inteligência criadora, com a liberdade fecunda, com o coração ardente e com mãos limpas. Ele é desafiado a deixar a superfície banal e navegar águas profundas da existência humana. Nessas águas, o ser humano não se afoga. Respira fundo e revitaliza-se. Para isso nascemos... somos peregrinos e navegantes, ousados e pacientes, buscando a “nova terra”.
A tradição judeu-cristã fala em “transdescendência”. Somos convidados não apenas a superar e a voar para cima, mas, fundamentalmente, a descer e a buscar o chão. É a experiência da Encarnação: o Deus que circunda toda a realidade, emergiu do mais pobre. É o Amor que desce.
Precisamos transformar essa dimensão da transcendência num estado permanente de consciência e num projeto pessoal. Devemos cultivar espaços de contemplação, de interiorização e de integração da transcendência que está em nós. E a experiência de transcendência produz em nós um enorme sentimento de leveza e de humor, porque, a partir dela, relativizamos as coisas todas e nos capacitamos a rir delas.
No entanto, no ritmo de nossa vida, percebemos também que há uma outra força contrária, presente no nosso próprio interior e na realidade que nos cerca.
Existe junto à História da Salvação, um movimento contrário a ela; estamos mergulhados numa história de infidelidades; o Projeto de Deus encontra obstáculos históricos e resistências pessoais;
Há um freio estrutural e pessoal que impede a realização do plano de Deus; é a força do MAL que destrói o Projeto de Deus e ameaça nossa existência de fracasso, destruição e morte.
Qual é a RAIZ dessa situação de mal?
O ser humano é criado livre e pelo mau uso da liberdade recusa ser colaborador
de Deus na Criação. Rebela-se contra Deus para construir um MUNDO SEM DEUS e constitui-se a si mesmo como senhor absoluto de sua existência; não se reconhece como dependente de Deus. Através da liberdade o ser humano organiza seu próprio projeto sem levar em contra o “SONHO” de Deus; Ele quer construir sua vida a partir dos próprios critérios; sua resposta ao Projeto do Deus Amor foi a infidelidade; “deu as costas para Deus”, criando em torno de si um círculo de morte e destruição. Ao voltar as costas para Deus o projeto do ser humano funda-se sobre o egoísmo, poder, status, riqueza... Isso significa o fracasso de seus anseios mais profundos de felicidade.
Neste mundo onde borbulha vida, impera ídolos que oprimem e tudo contaminam com o veneno da morte: economia, trabalho, organização política, instituições, relações sociais. Vivemos num ambiente contaminado que nos afeta e nos infecta... somos bombardeados pelos falsos valores; sentimo-nos impotentes diante dessa realidade.
No livro sobre as conclusões da conferência de PUEBLA, é descrito o “mundo da exclusão”, conseqüência de um “mundo sem Deus”. “Esta situação de extrema pobreza generalizada adquire, na vida real, feições concretíssimas, nas quais deveríamos reconhecer as feições sofredoras de Cristo, o Senhor que nos questiona e interpela”:
· Feições de crianças golpeadas pela pobreza ainda antes de nascer;
· Feições de jovens desorientados por não encontrarem seu lugar na sociedade;
· Feições de indígenas e de afro, que vivem segregados e em situações desumanas;
· Feições de camponeses que vivem sem terra, em situação de dependência;
· Feições de operários mal remunerados e que tem dificuldades de se organizar e defender os próprios direitos;
· Feições de subempregados e desempregados, despedidos pelas duras exigências das crises econômicas;
· Feições de marginalizados e amontoados das nossas cidades;
· Feições de anciãos, postos à margem da sociedade, que prescinde das pessoas que não produzem;
· Compartilhamos com nosso povo de outras angústias que brotam da falta de respeito à sua dignidade de ser humano, “imagem e semelhança” do Criador e a seus direitos inalienáveis de filhos de Deus”.
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