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Foto do escritorHenrique Santos Filho

IGREJA E O IMPÉRIO ROMANO - PARTE III

O Primeiro Concílio de Niceia, em 325, reafirmou que o bispo de uma capital provincial, chamado bispo metropolitano, tinha uma certa autoridade sobre os demais bispos da província.

Foto: https://www.a12.com/source/files/originals/Roma_antiga-063032.jpg

Mas ele também reconheceu a existência de uma autoridade supra-metropolitana nas sés de Roma, Alexandria e Antioquia e concedeu um reconhecimento especial a Jerusalém.

Constantinopla foi adicionada à lista no Primeiro Concílio de Constantinopla (ano 381) e recebeu inicialmente autoridade somente sobre a Trácia.

Através de um cânone de validade contestada, o Concílio de Calcedônia (ano 451) colocou as províncias da Ásia e do Ponto, que juntas compunham a Anatólia, sob a jurisdição de Constantinopla, mesmo tendo a autonomia delas sido reconhecida no concílio de 381.

Roma jamais reconheceu essa pentarquia = de cinco sés como constituindo a liderança da igreja estatal.

Ela defendia que, de acordo com o Primeiro Concílio de Niceia, apenas as três sés "petrinas" - Roma, Alexandria e Antioquia - tinham alguma função patriarcal de fato.

Os cânones do Concílio Quinisexto, de 692, que sancionaram o decreto de Justiniano, igualmente jamais foram aceitos no ocidente.

As conquistas muçulmanas dos territórios dos patriarcados de Alexandria (Egito), Antioquia e Jerusalém (Síria), cujos habitantes cristãos (monofisitas) = (Os monofisitas, que acreditavam que em Cristo havia somente a natureza divina, embora condenados no Concílio de Calcedônia (451), insistiam em seu erro)-= já haviam, de qualquer forma, sido perdidos para a igreja estatal (calcedoniana) depois do Concílio de Calcedônia, deixaram sobrando apenas dois patriarcados efetivos: Roma e Constantinopla.

Então, em 740, o imperador Leão III, o Isauro, reagiu à resistência papal à sua política iconoclasta =que ou aquele que destrói imagens religiosas ou se opõe à sua adoração= transferindo a jurisdição de Roma para Constantinopla, deixando ao papa apenas uma minúscula porção do império.

O patriarca de Constantinopla já vinha adotando o título de "patriarca ecumênico", o que deixava claro como ele entendia sua posição no oikoumene, o mundo cristão: idealmente liderado pelo imperador e pelo patriarca que reinavam na capital imperial. Desta forma e também sob influência do modelo imperial de governança da igreja estatal, na qual "o imperador se torna o órgão executivo de fato da igreja universal",o modelo da pentarquia regrediu para uma monarquia encabeçada pelo patriarca de Constantinopla.


ASCENSÃO DO ISLÃ

O Califado Ortodoxo, sob a bandeira do islã, começou a se expandir a partir da Arábia no século VII, enfrentando os bizantinos pela primeira vez em 634. =( termo convencionalmente usado por historiadores modernos para se referir aos gregos medievais ou aos cidadãos helenizados do Império Bizantino, centrado em Constantinopla (antiga Bizâncio), o sul dos Bálcãs, as ilhas gregas, Ásia Menor (atual Turquia), Chipre e os grandes centros urbanos do Oriente Médio e norte do Egito. A identidade dos gregos bizantinos assumiu diversos nomes, com variantes como Romaioi ou Romioi (literalmente "romanos") ou Graikoy ("gregos")

Bizantinos e persas sassânidas estavam esgotados por décadas de guerra entre si e, já no final do século VIII, o Califado Omíada (sucessor do califado Ortodoxo) havia conquistado toda Pérsia e a maior parte do território bizantino, incluindo o Egito, a Palestina e a Síria.

A maior parte do mundo cristão estava agora sob o jugo muçulmano. Nos séculos seguintes, estados islâmicos se tornariam os mais poderosos do mundo mediterrâneo.

Embora a igreja estatal reivindicasse para si a autoridade religiosa sobre os cristãos do Egito e do Levante, a realidade era que a maioria dos cristãos destas regiões já eram miafisitas = O miafisismo afirma que na pessoa una de Jesus Cristo, Divindade e Humanidade estão unidas em uma única ou singular natureza) = e membros de outras seitas que havia muito vinham sendo perseguidas por Constantinopla.

Os novos governantes muçulmanos, por outro lado, ofereciam tolerância religiosa para os cristãos de qualquer seita. Além disso, os súditos do califado = (no direito muçulmano, conjunto de princípios seguidos por chefes políticos e religiosos após a morte de Maomé c570-632. = dignidade ou jurisdição ('poder') de califa. podiam ser aceitos como muçulmanos simplesmente declarando-se fieis a uma única divindade cujo profeta era Maomé (a shahada).

Como consequência, os povos do Egito, Palestina e Síria aceitaram em massa seus novos senhores e muitos se declararam muçulmanos no espaço de poucas gerações.

A expansão muçulmana continuou posteriormente em outras partes da Europa, particularmente na Península Ibérica.


EXPANSÃO DO CRISTIANISMO NA EUROPA

Durante o século IX, o imperador em Constantinopla encorajou expedições missionárias nas nações vizinhas, incluindo o califado muçulmano e os turcos cazares.

Em 862, ele enviou os santos Cirilo e Metódio para pregar aos eslavos da Grande Morávia. Na época, a maior parte da população eslava da Bulgária já era cristã e o próprio tsar Bóris I foi batizado em 864. A Sérvia era considerada cristã já em 870.

No início de 867, o patriarca de Constantinopla Fócio escreveu que o cristianismo havia sido aceito pela Rússia de Quieve, um povo que, contudo, só seria totalmente cristianizado no século seguinte.

Destes, a Igreja da Grande Morávia escolheu de imediato se ligar com Roma e não com Constantinopla: os missionários enviados para lá se aliaram ao papa durante o cisma de Fócio (863-8670),

Depois de vitórias decisivas contra os bizantinos em Anquíalo e Catasirtas, a Bulgária declarou sua igreja autocéfala e a elevou ao status de patriarcado, uma autonomia reconhecida em 927 por Constantinopla, mas abolida pelo imperador Basílio II Bulgaróctono ("matador de búlgaros") depois de sua conquista bizantina da Bulgária.

Na Sérvia, que se tornou um reino independente no início do século XIII, Estêvão IV Duchan, depois de conquistar grande parte do território bizantino na Europa e de assumir o título de tsar, elevou o arcebispo sérvio ao status de patriarca em 1346, uma posição que ele manteve até a conquista do Império Bizantino pelos turcos otomanos. Por fim, nenhum imperador bizantino jamais governou os cristãos da Rússia.

A expansão da igreja no ocidente e no norte da Europa começou muito mais cedo, com a conversão dos irlandeses no século V, dos francos no final do mesmo século, dos visigodos arianos da Espanha (Reino Visigótico) algum tempo depois e dos ingleses no final do século VI. Na época das missões bizantinas à Europa central e oriental, a Europa ocidental cristã, apesar de ter perdido quase toda a Espanha para o islã, já abrangia a Germânia e parte da Escandinávia e, com exceção do sul da Itália, era independente do Império Bizantino e já era havia muitos séculos.

Esta situação fomentou a ideia de uma igreja universal não ligada a estado nenhum em particular e da qual a igreja estatal do Império Romano seria apenas parte.

Muito antes da derrocada do Império Bizantino, a região da poloneses, húngaros e outros povos da Europa eram parte de uma igreja que de forma alguma se enxergava como parte da igreja estatal imperial e que, depois do Grande Cisma do Oriente, já não estava em comunhão com ela.


GRANDE CISMA DO ORIENTE (1054)

Em 751, com a derrota e a morte do último exarca de Ravena e o fim do Exarcado, Roma deixou de ser parte do Império Bizantino. Forçados a buscar proteção em outro lugar, os papas se voltaram para os francos e, com a coroação de Carlos Magno por Leão III no Natal de 800, transferiram sua lealdade para um imperador rival.

Mais claramente do que antes, a igreja do ocidente, ainda em comunhão com a igreja estatal do Império Bizantino, não era mais parte dela.

Disputas entre a sé de Roma, que reivindicava autoridade sobre todas as demais sés, e a de Constantinopla, que não tinha rival no âmbito do império, culminaram, talvez inevitavelmente na mútua excomunhão de 1054.

A comunhão com Constantinopla foi rompida por todos os cristãos europeus com exceção dos que ainda eram governados pelo império (incluindo os búlgaros e sérvios) e a fragilizada Rússia de Quieve, que estavam organizados numa sé metropolitana do patriarcado de Constantinopla.

Esta igreja (que se tornaria a Igreja Ortodoxa Russa) só se tornaria independente em 1448, apenas cinco anos antes da extinção do império depois da qual as autoridades turcas incluiriam todos os súditos cristãos, independente da etnia, num único millet encabeçado pelo patriarca de Constantinopla.

Os ocidentais que criaram os estados cruzados na Grécia e no Oriente Médio nomearam patriarcas e outros hierarcas latinos (ocidentais), realizando concreta e permanentemente o cisma.

Esforços foram feitos em 1247 (a "União das Igrejas" do Segundo Concílio de Lyon) e em 1439 (a "União de Florença" no Concílio de Florença) para reunir o ocidente e o oriente, mas os acordos alcançados pelas delegações participantes e pelo imperador foram posteriormente rejeitados pela vasta maioria dos cristãos bizantinos.

No oriente, a ideia de que o imperador bizantino era o líder dos cristãos em todo mundo persistiu entre o clero durante toda a existência do império, mesmo quando o território bizantino estava reduzido praticamente à cidade de Constantinopla.

Em 1393, apenas 60 anos antes da queda da capital, o patriarca Antônio IV de Constantinopla escreveu para Basílio I da Moscóvia defendendo a comemoração litúrgica do imperador bizantino nas igrejas russas com o argumento de que ele era o "imperador (basileu) e autocrator dos romanos, ou seja, de 'todos os cristãos'".

De acordo com o patriarca Antônio, "não é possível entre os cristãos ter uma igreja e não ter um imperador. Pois o império e a igreja tem grande unidade e comunalidade e não é possível separá-los" e "o sagrado imperador não é como os soberanos e governantes de outras regiões”

Depois do cisma entre as igrejas do ocidente e do oriente, vários imperadores tentaram, em épocas diferentes e sem sucesso, reunir a Igreja invocando a noção da unidade cristã numa tentativa de obter o apoio do papa e da Europa ocidental contra os muçulmanos que estavam gradualmente conquistando todo o território imperial. Mas o período das Cruzadas ocidentais contra os muçulmanos já era passado mesmo antes da realização do primeiro dos dois concílios convocados para tratar da reunião.

Mesmo quando perseguida pelo imperador, a igreja oriental, "contava os dias até quando seriam capazes de se livrar não de seu imperador (pois não conseguiriam viver sem um imperador mais do que um corpo sem uma cabeça), mas de seus atuais infortúnios".

A igreja estatal havia se fundido psicologicamente nas mentes dos bispos orientais de tal forma que eles tinham dificuldades em imaginar o cristianismo sem o imperador.

Na Europa ocidental, por outro lado, a ideia de uma igreja universal ligada ao imperador de Constantinopla foi substituída por outra na qual a sé de Roma era suprema.

Ser membro de uma igreja universal substituiu a cidadania num império universal. Por toda a Europa, da Itália à Irlanda, uma nova sociedade centrada no cristianismo estava se formando.

A Igreja ocidental passou então a enfatizar o termo "católica" em sua identidade, uma afirmação de sua universalidade, enquanto que a oriental passou a enfatizar o termo "ortodoxa", afirmando sua defesa dos verdadeiros ensinamentos de Jesus.

Ambas reivindicam a honra de serem a única continuação de uma igreja calcedoniana unida, cujas doutrinas centrais seriam mantidas muito depois por muitas das igrejas que emergiriam da Reforma Protestante, incluindo o luteranismo e o anglicanismo.

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