O Papa Francisco sabe o que está dizendo e é exatamente isso que faz com que encontre oposição em determinados setores da igreja. No início não se dava muita atenção ao que ele dizia, pois ele tem um jeito manso e calmo de falar sem levantar tempestades.
Assim, por exemplo, não se prestou muita atenção à fala do então Cardeal Bergoglio diante de seus colegas cardeais, no dia 9 de março de 2013, poucos dias antes do início do conclave que o elegeria papa: A igreja deve sair de si mesma, rumo às periferias existenciais. Uma igreja auto-referencial prende Jesus Cristo dentro de si e não o deixa sair. É a igreja mundana, que vive para si mesma. Quando colocadas diante do amplo painel da história da igreja católica, as palavras do papa ganham sua verdadeira dimensão.
Temos de recuar até os séculos XII e XIII, ir até os três grandes papas da Idade Média: Gregório VII (1073-1085), Inocêncio III (1198-1216) e Bonifácio VIII (1294-1303). Assim entenderem de que se trata. Esses três papas eram grandes organizadores e fizeram com que a igreja virasse uma grande empresa, que exercia controle sobre a vida das pessoas e as instituições públicas. Quem não seguia as regras era excomungado (condenado ao inferno). Esses papas, e toda corte que os rodeava, se imaginava que o crescimento da instituição cristã implicava automaticamente na maior divulgação do evangelho. Esse era o postulado. As autoridades se compraziam em verificar que a empresa da igreja sobre as sociedades se consolidava sempre mais.
Desse modo, a igreja se tornava sempre mais auto-referencial, autocentrada, triunfalista, narcisista O clericalismo crescia exponencialmente, seu controle sobre a população aumentava sempre mais. Quando autoridades eclesiásticas falavam em ‘reforma da igreja’ (e falavam muito), era sempre no sentido de aperfeiçoar os instrumentos de controle sobre a sociedade. Tudo era direcionado para esse fim: os sacramentos, as paróquias, as indulgências, as devoções, as peregrinações.
Orgulhosa de seus grandes feitos de engenharia administrativa, a igreja alimentava, em seus colaboradores, tendências ao carreirismo. Tudo isso acabou criando uma neurose que se expressou de forma aguda na tão falada Inquisição. Essa decorria da extremada vontade de controlar tudo, até os recônditos da consciência e da imaginação.
Ao longo de sucessivas falas, em diversas ocasiões, o papa vai criando um vocabulário todo próprio: igreja que se move, que faz opção pelos últimos, que vai à periferia, que sai de si mesma (audiência de 23/03/2013), que anda pela rua (os ‘sacerdotes callejeros’), igreja inclusiva, não excludente, não autocentrada, não narcisista, que não vive para si mesma, não é cartório, igreja inteiramente missionária (EG 34),discípula missionária (EG 40), hospital de campanha, campo de refugiados. Ainda se pode citar EG 195, 197, 198 ou 199.
Diz o Papa, sonho com uma opção missionária capaz de transformar tudo: os estilos, os horários, a linguagem, numa atitude constante de saída (EG 26-27).
‘Igreja em saída’, eis a expressão que resume o posicionamento do Papa Francisco frente à ideologia ‘auto-centrada’ que predominou na igreja católica durante séculos e às práticas originadas por essa ideologia. Tudo isso ainda é muito frágil e corre o risco de ser levado pela poeira dos tempos, se não aparecer um novo tipo de padre. O importante mesmo consiste em formar grupos fortes e coesos, alimentados por leituras bíblicas e outras leituras espirituais, pois não é fácil enfrentar sociedades permeadas de valores capitalistas. No mundo em que vivemos, fica difícil viver o evangelho sem o apoio de uma comunidade forte.
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