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Foto do escritorHenrique Santos Filho

Preso pela angústia, orava mais intensamente (Lc. 22, 44)

Estas palavras foram escritas pelo evangelista Lucas (22, 44) com uma clara intenção pastoral: mostrar à Igreja de seu tempo, submetida também já a situações de luta e de perseguição, o que ensinou a fazer o mestre em tais apuros.

Foto: https://cdn.pixabay.com/photo/2017/05/16/10/06/loneliness-2317414_1280.jpg

A vida humana está semeada de muitas pequenas noites de Getsemani. As causas podem ser numerosas e distintas: uma ameaça que se perfila para nossa saúde, uma incompreensão do ambiente, a indiferença de quem temos perto, o temor às consequências de algum erro cometido.

Mas pode ter causas mais profundas: a perda do sentido de Deus, a consciência do próprio pecado e indignidade, a impressão de ter perdido a fé.

Em resumo, o que os santos chamaram «a noite escura do espírito».

Jesus nos ensina o que é o primeiro que há que fazer nestes casos: recorrer a Deus com a oração.

Não há que se enganar: é verdade que Jesus no Getsemani busca também a companhia de seus amigos, mas por que a busca? Não para que lhe digam palavras boas ou para que se consolem.

Pede que o acompanhem na oração, que rezem com ele: «Com que não haveis podido velar comigo nem sequer uma hora? Velai e orai» (Mt 26, 40).

É importante observar como começa a oração de Jesus no Getsemani, na fonte mais antiga, que é Marcos: «Abbá, Pai!; tudo é possível para ti» (Mc 14, 36).

O filósofo Kiekegaard faz ao respeito reflexões iluminadoras. Diz: «A questão decisiva é que para Deus tudo é possível». O homem cai no verdadeiro desespero só quando já não tem ante si possibilidade alguma, nenhuma tarefa, quando, como se diz, não há nada que fazer.

«Quando se desvanece, vai a busca de água de Colônia, gotas de Hoffmann; mas quando se desespera, há que dizer: “Achai uma possibilidade, achai uma possibilidade!”.

A possibilidade é o único remédio; dai-lhe uma possibilidade e o desesperado recobra as vontades, reanima-se, porque se o homem fica sem possibilidade é como se lhe faltasse o ar.

Às vezes inventivo de uma fantasia humana pode bastar para encontrar uma possibilidade; mas ao final, quando se trata de crer, só serve isto: que para Deus tudo é possível».


Esta possibilidade sempre ao alcance da mão para um crente é a oração. «Orar é como respirar». E se já se orou sem êxito? Orar mais! Orar prolixius, com maior insistência.

Poder-se-á objetar que, contudo, Jesus não foi escutado, mas a Carta aos Hebreus diz exatamente o contrário: «foi escutado por sua perda». Lucas expressa esta ajuda interior que Jesus recebeu do Pai com o detalhe do anjo: «Então, se lhe apareceu um anjo vindo do céu que o confortava» (Lc 22, 43). Mas trata-se de uma antecipação.


A verdadeira grande escuta do Pai foi a ressurreição.

Deus, observava Agostinho, escuta ainda quando... não escuta, isto é, quando não obtemos o que estamos pedindo. Seu atraso em atender é já uma escuta, para poder nos dar mais do que pedimos.

Se apesar de tudo seguimos orando é sinal de que nos está dando sua graça. Se Jesus ao final da cena pronuncia seu resoluto: «Levantai-vos! Vamos!» (Mt 26, 46), é porque o Pai lhe deu mais que «doze legiões de anjos» para defendê-lo. «Inspirou-o, diz São Tomás, a vontade de sofrer por nós, infundindo-lhe o amor» .


A capacidade de orar é nosso grande recurso. Muitos cristãos, inclusive verdadeiramente comprometidos, experimentam sua importância ante as tentações e a impossibilidade de adaptar-se às altíssimas exigências da moral evangélica e concluem, às vezes, que não podem e que é impossível viver integralmente a vida cristã.

Em certo sentido têm razão. É impossível, com efeito, por si só, evitar o pecado; necessita-se da graça; mas também a graça é gratuita e não se pode merecer.

O que fazer então: desesperar-se, render-se? Diz o Concílio de Trento: «Deus, dando-te a graça, te manda fazer o que podes e pedir o que não podes» .


A diferença entre a lei e a graça consiste precisamente nisto: na lei Deus diz ao homem: «Faz o que te mando!»; na graça, o homem diz a Deus: «Dai-me o que me mandas!».

A lei manda, a graça demanda. Uma vez descoberto este segredo, Agostinho, que até então havia lutado inutilmente para ser casto, mudou de método, e mais que lutar com seu corpo começou a lutar com Deus. Disse: «Oh Deus, tu me mandas que seja casto; pois bem, dai-me o que mandas e manda-me o que queiras!» .

E sabemos que obteve a castidade!

Jesus deu por adiantado a seus discípulos o meio e as palavras para unir-se a ele na prova, o Pai Nosso, não há estado de ânimo que não se reflete no «Pai Nosso» e que não encontre nele a possibilidade de traduzir-se em oração: o gozo, o louvor, a adoração, a ação de graças, o arrependimento.

Mas o «Pai Nosso» e sobretudo a oração da hora da prova. Há uma semelhança entre a oração que Jesus deixou a seus discípulos e a que ele mesmo elevou ao Pai no Getsemani. Ele nos deixou, na realidade, sua oração.


A oração de Jesus começa como o Pai Nosso, com o grito: «Abba, Pai!» (Mc 14, 36), ou «Pai meu» (Mt 26, 39); prossegue, como o Pai Nosso, pedindo que se faça sua vontade; pede que passe dele este cálice, como no Pai Nosso pedimos ser «livrados do mal»; diz a seus discípulos que rezem para não cair em tentação e nos faz concluir o Pai Nosso com as palavras: «Não nos deixes cair em tentação».

Que consolo, na hora da prova e da escuridão, saber que o Espírito Santo segue em nós a oração de Jesus no Getsemani, que os «gemidos inenarráveis» com o qual o Espírito intercede por nós, nesses momentos, chegam ao Pai mesclados com os «rogos e súplicas com poderoso clamor e lágrimas» que o Filho lhe elevou ao sobrevir «sua hora»! (Hb 5, 7).

Em agonia até o fim do mundo

Devemos recolher um último ensinamento antes de despedir-nos de Jesus do Getsemani. São Leão Magno diz que «a paixão se prolonga até o fim dos séculos».

Faz-lhe eco o filósofo Pascal na célebre meditação sobre a agonia de Jesus:

«Cristo estará em agonia até o fim do mundo. Durante este tempo não há que dormir.

Eu pensava em ti em minha agonia: essas gotas de sangue as derramei por ti.

Queres custar-me sempre sangue de minha humanidade, sem que tu derrames uma lágrima?

Eu sou mais amigo teu que tal qual, porque fiz por ti mais que eles, e eles não sofrerão jamais o que sofri por ti, nunca morrerão por ti no momento de tua infidelidade e de tuas crueldades, como fiz eu e estou disposto a fazer em meus eleitos e no Santo Sacramento» .

Tudo isto não é um simples modo de falar ou uma constrição psicológica, corresponde misteriosamente à verdade. No Espírito, Jesus está também agora no Getsemani, no pretório, na cruz. E não só em seu corpo místico --em quem sofre, é apressado ou assassinado--, mas, de uma forma que não podemos explicar, também em sua pessoa. Isto é verdade não «apesar de» sua ressurreição, mas precisamente «por causa» da ressurreição que fez ao Crucificado «vivo nos séculos».


O Apocalipse nos apresenta o Cordeiro no céu «em pé», ou seja ressuscitado e vivo, mas com os sinais ainda visíveis de sua imolação (Ap 5, 6). O lugar privilegiado onde podemos encontrar este Jesus «em agonia até o fim do mundo» é a Eucaristia.

Jesus a instituiu imediatamente antes de ir ao Horto das Oliveiras para que seus discípulos pudessem, em toda época, fazer-se «contemporâneo» de sua Paixão.

Se o Espírito nos inspira o desejo de estar uma hora ao lado de Jesus no Getsemani esta Quaresma, a forma mais simples de levá-lo a cabo é passar, na tarde de quinta-feira, uma hora ante o Santíssimo Sacramento.

Isto não deve, evidentemente, fazer-nos esquecer o outro modo em que Cristo «está em agonia até o fim do mundo», isto é, nos membros de seu corpo místico. E mais, se queremos concretizar nossos sentimentos para com ele, o caminho obrigatório é precisamente fazer a algum deles o que não podemos fazer com ele que está na glória.

A palavra Getsemani se converteu no símbolo de toda dor moral. Jesus ainda não sofreu em sua carne; sua dor é do todo interior, e contudo não sua sangue mais que aqui, quando é seu coração, não ainda sua carne, o que é sufocado.

O mundo é muito sensível às dores corporais, comove-se facilmente por elas; muito menos ante as dores morais, das quais às vezes até se burla tomando por hipersensibilidade, autossugestão, caprichos.

Deus toma muito a sério a dor do coração e assim deveríamos fazer também nós. Penso em quem vê quebrado o laço mais forte que tinha na vida e se encontra só (mais frequentemente só); em quem é traído nos afetos, está angustiado ante algo que ameaça sua vida ou a de um ser querido; em quem, injustamente ou com razão (não há muita diferença desde este ponto de vista), vê-se assinalado, de um dia para outro, no escárnio público.

Quantos Getsemani escondidos no mundo, talvez sob nosso mesmo teto, na porta do lado, ou na mesa de trabalho do lado! É tarefa nossa identificar alguém nesta Quaresma e fazer-nos próximos a quem se encontra ali.

Que Jesus não tenha que dizer entre estes seus membros: «Espero compaixão, e não há, consoladores, e não encontro nenhum» (Salmo 68, 21), mas que possa, ao contrário, fazer-nos sentir no coração a palavra que recompensa tudo: «A mim o fizeste».

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