A vida consagrada testemunha da busca de Deus.
« Faciem tuam, Domine, requiram »: tua face, Senhor, eu busco (Sl 26,8).
Peregrino em busca do sentido da vida e envolto no grande mistério que o circunda, o homem procura, de fato, ainda que frequentemente inconsciente, o rosto do Senhor.
« Mostra-me, Senhor, os teus caminhos, ensina-me tuas veredas » (Sl 24,4): jamais poderá alguém tirar do coração da pessoa humana a busca d'Aquele de quem a Bíblia diz « Ele é tudo » (Eclo 43,27) nem a dos caminhos para encontrá-lo.
A vida consagrada, é chamada a tornar visível na Igreja e no mundo os traços característicos de Jesus, virgem, pobre e obediente, floresce no terreno desta busca do rosto do Senhor e dos caminhos que a Ele conduzem (cf. Jo 14,4-6).
Uma busca que leva a experimentar a paz – « na sua vontade está a nossa paz » – e que constitui a fadiga de cada dia, visto que Deus é Deus, e nem sempre os seus caminhos e os seus pensamentos são os nossos caminhos e os nossos pensamentos (cf. Is 55,8).
A pessoa consagrada testemunha, pois, o compromisso alegre e, ao mesmo tempo, trabalhoso, da busca assídua da vontade divina; por isso, escolhe utilizar todo meio disponível que a ajude a conhecê-la e a sustente em seu cumprimento.
Também a Comunidade Anuncia-Me encontra aqui o seu significado, comunhão de pessoas consagradas que professam em buscar e cumprir juntas a vontade de Deus: comunidade de irmãos ou irmãs com funções diversas, mas com o mesmo objetivo e a mesma paixão.
Por esta razão, enquanto todos, na Comunidade, são chamados a buscar o que agrada a Deus e a obedecer-lhe, alguns são chamados a exercer, geralmente por um tempo determinado, a tarefa particular de ser sinal de unidade e guia na busca conjunta e no cumprimento pessoal e comunitário da vontade de Deus. Este é o serviço da autoridade.
A palavra obediência, proveniente do latim, ob audire, significa estar pronto para ouvir ou escutar. Por conseguinte, a obediência constitui um elo pelo qual o inferior une sua vontade à do superior para ouvir suas ordens de forma atenta e submissa. E conforme define São Tomás "a obediência torna a vontade do homem disposta a fazer a vontade de outro, a saber, daquele que manda".
A obediência é uma virtude moral e encontra-se em total dependência com a virtude cardeal da justiça, posto que dela deriva através da observância.
Esta última, com efeito, tem por objeto próprio dar a cada um o que lhe corresponde.
Deus constituiu o Universo de forma hierárquica, de maneira que os seres de naturezas inferiores fossem governados pelos superiores, embora pertençam a naturezas diversas; o mesmo ocorre com os seres dentro de um comum gênero: de animal para animal, de homem para homem, de anjo para anjo.
Levando isto em consideração, conclui-se que nesta obediência que o inferior deve prestar ao superior é de direito natural, pois está inteiramente de acordo como afirma São Paulo, "não há autoridade que não venha de Deus" (Rm 13, 1).
Por isso, toda autoridade legítima é merecedora de respeito e veneração.
Este foi o procedimento de Deus para com os homens desde o Antigo Testamento, enviando ao povo eleito, guias, "[...] patriarcas, homens de virtude excelsa e personalidade robusta, de Fé inquebrantável como Abraão, de pertinácia infatigável como Isaac", e insignes profetas, como Elias, Moisés e tantos outros. Isto se sublimou em alto grau no Novo Testamento.
O Divino Mestre formou os seus Apóstolos nesta escola, e estes, transmitiram para toda a Igreja nascente: "Por amor ao Senhor, sede submissos a toda autoridade humana, quer ao rei, como soberano, quer aos governadores, como enviados por ele, para castigo dos malfeitores e para favorecer as pessoas honestas" (1 Pd 2, 13-14).
A submissão como vimos, a prática da obediência é necessária a todos os homens, pois ela está de acordo com a ordem posta por Deus no Universo, mas com o pecado original esta necessidade tornou-se mais viva na existência do homem.
Em qualquer estado em que se encontre, ele se deparará nesta ou naquela circunstância às quais deverá obedecer.
Se analisarmos a vida de um homem, veremos continuamente presente a obediência, a começar pela infância, quando terá ele de submeter-se aos pais, logo depois ao entrar para o colégio deverá obediência a seus professores; e, por fim, ao atingir a maturidade e optar por uma profissão será necessário impor-se dentro de certa disciplina a fim de alcançar determinado objetivo, ou então, se esta pessoa é chamada a uma vocação religiosa consagrada mais acentuada ainda será esta exigência, pois ela estará sujeita a um superior.
O VOTO DE OBEDIÊNCIA
Pela profissão da obediência, os consagrados oferecem a plena oblação da própria vontade como sacrifício de si mesmos a Deus, e por ele se unem mais constante e seguramente à vontade divina salvífica.
Por isso, a exemplo de Jesus Cristo, que veio para fazer a vontade do Pai (cfr. Jo. 4,34; 5,30; Heb. 10,7; Salm. 39,9), e «tomando a forma de servo» (Fil. 2,7), aprendeu a obedecer por aquilo que padeceu (cfr. Heb. 5,8), os consagrados, sob a moção do Espírito Santo, sujeitam-se na fé aos Superiores, servos de Deus, e por eles são levados a servir todos os seus irmãos em Cristo, da mesma maneira que o próprio Cristo, por causa da sua sujeição ao Pai, serviu os irmãos e deu a sua vida para redenção de muitos (cfr. Mt. 20,28; Jo. 10, 14-18).
Assim, unem-se mais estreitamente ao serviço da Igreja e procuram chegar à medida da idade plena de Cristo (cfr. Ef. 4,13).
Portanto, os consagrados em espírito de fé e de amor à vontade de Deus, obedeçam humildemente aos Superiores, segundo as próprias regras e constituições, colocando as forças da inteligência e da vontade bem como os dons da natureza e da graça na execução das ordens e no cumprimento dos cargos que lhes forem confiados, sabendo que estão a colaborar para a edificação do Corpo de Cristo segundo o desígnio de Deus, na Obra que pertencem.
Desta maneira, a obediência, longe de diminuir a dignidade da pessoa humana, leva-a à maturidade, aumentando a liberdade dos filhos de Deus.
Os Superiores, porém, como quem deverá dar contas das almas que lhes foram confiadas (cfr. Heb. 13,17), dóceis à vontade de Deus no cumprimento do seu cargo, exerçam a autoridade em espírito de serviço a favor de seus irmãos, de tal maneira que sejam a expressão da caridade com que Deus os ama. Governem os súditos como filhos de Deus e com respeito pela pessoa humana, promovendo a sua submissão voluntária. Por isso, deixem-lhes de modo particular a devida liberdade no que toca ao sacramento da Penitência e à direção espiritual.
Levem os súditos a colaborar, com obediência ativa e responsável, na aceitação do desempenho das funções, serviços e missões.
CONGREGAÇÃO PARA OS INSTITUTOS DE VIDA CONSAGRADA E AS SOCIEDADES DE VIDA APOSTÓLICA E
O SERVIÇO DA AUTORIDADE E A OBEDIÊNCIA
Autoridade a serviço da obediência à vontade de Deus
Na vida consagrada, cada um tem que buscar com sinceridade a vontade do Pai pois, de outra forma, a própria razão de sua opção de vida se seria afetada; mas é igualmente importante levar adiante tal busca em companhia dos irmãos ou irmãs, já que é precisamente esta busca que une, que “constitui família unida a Cristo”.
A autoridade está a serviço desta busca, para que ela ocorra na sinceridade e na verdade.
Na homilia de início do ministério petrino, Bento XVI afirmou significativamente: « O meu verdadeiro programa de governo é de não fazer a minha vontade, não perseguir as minhas idéias, mas pondo-me contudo à escuta, com a Igreja inteira, da palavra e da vontade do Senhor e deixar-me guiar por Ele, de forma que seja Ele mesmo quem guia a Igreja nesta hora da nossa história ».
Reconheça-se, por outro lado, que a tarefa de ser guia de outros não é fácil, principalmente quando o sentido de autonomia pessoal é excessivo ou gerador de conflitos e competitivo em relação aos outros.
É mister aguçar, da parte de todos, o olhar da fé diante desta tarefa, a qual deve ser inspirada na atitude de Jesus, servo que lava os pés de seus apóstolos para que estes tenham parte em sua vida e em seu amor (cf Jo 13,1-17).
Exige-se uma grande coerência da parte de quem guia os consagrados nas comunidades.
A pessoa chamada a exercer a autoridade deve saber que somente o poderá fazer se ela mesma, em primeiro lugar, empreender aquela peregrinação que leva a buscar, com intensidade e retidão, a vontade de Deus.
Vale para ela o conselho que dava santo Inácio de Antioquia a um confrade seu no episcopado: « Nada se faça sem o teu consentimento, mas tu nada faças sem o consentimento de Deus ».
A autoridade há de agir em modo tal que os irmãos ou as irmãs possam perceber que ela, quando ordena, o faz unicamente para obedecer a Deus.
A veneração pela vontade de Deus mantém a autoridade num estado de humilde busca, a fim de fazer com que o seu agir seja o mais conforme possível àquela santa vontade.
Santo Agostinho recorda que quem obedece cumpre sempre a vontade de Deus, não porque a ordem da autoridade esteja necessariamente em conformidade com a vontade divina, mas porque é vontade de Deus que se obedeça a quem preside.
A autoridade, porém, por sua vez, deve procurar assiduamente, com o auxílio da oração, da reflexão e do conselho de outros, aquilo que Deus verdadeiramente quer.
Do contrário, o superior ou a superiora, em vez de representar a Deus, correm o risco de pôr-se temerariamente no seu lugar.
No intento de fazer a vontade de Deus, autoridade e obediência não são, portanto, duas realidades diferentes nem, muito menos, contrapostas, mas duas dimensões da mesma realidade evangélica, do mesmo mistério cristão, dois modos complementares de participar da mesma oblação de Cristo. Autoridade e obediência acham-se personificadas em Jesus: por isso, devem ser entendidas em relação direta com Ele e em configuração real com Ele.
A vida consagrada tem como objetivo viver simplesmente a sua Autoridade e a sua Obediência.
ALGUMAS PRIORIDADES NO SERVIÇO DA AUTORIDADE
a) Na vida consagrada, a autoridade é, antes de tudo, uma autoridade espiritual.
Ela sabe que foi chamada a servir um ideal que a supera imensamente, um ideal do qual é possível aproximar-se somente num clima de oração e de humilde busca, que permitirá captar a ação do mesmo Espírito no coração de cada irmão ou irmã. Uma autoridade é “espiritual” quando se põe a serviço do que o Espírito quer realizar através dos dons que Ele distribui a cada membro da fraternidade, dentro do projeto carismático do Instituto.
Para estar em condições de promover a vida espiritual, a autoridade deverá, em primeiro lugar, cultivá-la em si mesma, por meio de uma familiaridade, orante e quotidiana, com a Palavra de Deus, com a Regra e as outras normas de vida, em atitude de disponibilidade para a escuta dos outros e dos sinais dos tempos.
« O serviço de autoridade exige uma presença constante, capaz de animar e de propor, de recordar as razões de ser da vida consagrada, de ajudar as pessoas a corresponder com uma fidelidade sempre renovada ao chamamento do Espírito ».
b) A autoridade é chamada a garantir à sua comunidade o tempo e a qualidade da oração, velando pela fidelidade cotidiana da mesma, com a consciência de que a Deus se vai com passos pequenos, mas constantes, de cada dia e de cada um, e de que as pessoas consagradas podem ser úteis aos demais na medida em que estiverem unidas a Deus.
É chamada, além disso, a vigiar para que, a começar por sua pessoa, não se arrefeça o contato diário com a Palavra que « tem poder para edificar » (At 20, 32) cada uma das pessoas e a comunidade, e para indicar os caminhos da missão.
Lembrando-se do mandato do Senhor « fazei isto em memória de mim » (Lc 22,19), procurará que o santo mistério do Corpo e do Sangue de Cristo seja celebrado e venerado como “fonte e cume” da comunhão com Deus e entre os irmãos e irmãs.
Celebrando e adorando o dom da Eucaristia em fiel obediência ao Senhor, a comunidade consagrada alcança inspiração e forças para a sua dedicação total a Deus, para ser sinal do seu amor gratuito para com a humanidade e reenviando eficácia aos bens futuros.
c) A autoridade é chamada a promover a dignidade da pessoa, prestando atenção a cada membro da comunidade e ao seu caminho de crescimento, fazendo dom a cada um da própria estima e da própria consideração positiva, nutrindo um sincero afeto por todos e guardando com discrição as confidências recebidas.
É oportuno recordar que, antes de se invocar a obediência (necessária), se há de praticar a caridade (indispensável). É bom que se faça, além do mais, um uso apropriado da palavra comunhão, a qual não pode nem deve ser entendida como uma espécie de delegação da autoridade à comunidade (com o convite implícito a que cada um “faça o que quiser”), nem sequer como uma imposição mais ou menos velada do próprio ponto de vista (cada um “faça o que eu quiser”).
d) A autoridade é chamada a infundir coragem e esperança nas dificuldades. Como Paulo e Barnabé encorajavam seus discípulos ao ensinar-lhes que « é necessário passar por muitos sofrimentos para entrar no Reino de Deus » (At 14,22), assim a autoridade deve ajudar a acolher as dificuldades do momento presente, recordando que elas fazem parte dos sofrimentos com que amiúde se cobre o caminho que conduz ao Reino.
Em presença de algumas situações difíceis da vida consagrada, por exemplo onde a sua presença parece debilitar-se e até extinguir-se, quem guia a comunidade recordará o valor perene deste gênero de vida, porquanto, hoje como ontem e como sempre, nada é mais importante, belo e verdadeiro que gastar a própria vida pelo Senhor e pelos mais pequeninos dentre seus filhos.
A guia comunitária é como o bom pastor que dedica a vida pelas ovelhas e também que não volta atrás nos momentos críticos, mas se faz presente, participa das preocupações e das dificuldades das pessoas confiadas a seus cuidados, deixando-se envolver pessoalmente.
E, como o bom samaritano, estará pronta para curar as eventuais feridas. Reconhece, igualmente, humildemente os próprios limites e a necessidade que tem do auxílio de outros, sabendo entesourar até mesmo a experiência dos próprios insucessos e das próprias derrotas.
e) A autoridade é chamada a manter vivo o carisma da própria família consagrada.
O exercício da autoridade comporta, assim mesmo, pôr-se a serviço do carisma próprio a que se pertence, guardando-o com cuidado e tornando-o atual na comunidade local, na demais casas = se houver - ou nos membros consagrados Aliança, de acordo com os projetos ou as orientações oferecidas, em particular, nos Capítulos gerais (ou reuniões anuais).
Isso exige, na autoridade, um conhecimento adequado do carisma da Comunidade, assumindo-o, antes de tudo, na própria experiência pessoal, para interpretá-lo depois em função da vida fraterna comunitária e da sua inserção no contexto eclesial e social.
f) A autoridade é chamada a manter vivo o “sentire cum Ecclesia”. Compromisso da autoridade é também o de ajudar a manter vivo o sentido da fé e da comunhão eclesial, em meio a um povo que reconhece e louva as maravilhas de Deus, testemunhando a alegria de pertencer a Ele na grande família da Igreja una, santa, católica e apostólica.
O compromisso pessoal dos consagrados e na Igreja, no seguimento do Senhor não pode ser empreendimento por navegadores solitários, mas se realiza na comum barca de Pedro, que resiste às tempestades; e a pessoa consagrada dará a contribuição de uma fidelidade laboriosa e gozosa à boa navegação.
A autoridade deverá recordar que « a nossa obediência é um crer com a Igreja, um pensar e falar com a Igreja, um servir com ela. Faz parte disto sempre também o que Jesus predisse a Pedro: “Serás levado onde não queres”.
Este deixar-se guiar para onde não queremos é uma dimensão fundamental do nosso servir, e é precisamente o que nos torna livres
O sentire cum Ecclesia, que brilha nos fundadores e fundadoras, implica uma autêntica espiritualidade de comunhão, isto é, « uma relação efetiva e afetiva com os Pastores, antes de mais nada com o Papa, centro da unidade da Igreja »: a ele cada pessoa consagrada deve plena confiança e obediência, também em força do mesmo voto.
A comunhão eclesial demanda, além disso, uma adesão fiel ao magistério do Papa e dos Bispos, como testemunhas concretas do amor à Igreja e paixão pela sua unidade.
g) A autoridade é chamada a acompanhar o caminho de formação permanente. Uma tarefa a considerar-se hoje sempre mais importante, da parte da autoridade, é a de acompanhar, ao longo do caminho da vida, as pessoas a ela confiadas.
Esta atribuição se cumpre não apenas mediante o oferecimento de ajuda para resolver eventuais problemas ou superar possíveis crises, mas também prestando atenção ao crescimento normal de cada um, em cada uma das fases e estações da existência, a fim de garantir aquela « juventude do espírito que permanece no tempo » e que torna a pessoa consagrada sempre mais conforme ao « mesmo sentimento de Cristo Jesus » (Fl 2,5).
Será responsabilidade da autoridade, portanto, manter um nível alto de disponibilidade formativa em cada um, de capacidade de aprender com a vida, sobretudo da liberdade de deixar-se formar pelo outro e sentir-se responsável pelo caminho de crescimento de todos.
Favorecendo a utilização daqueles instrumentos de crescimento comunitário transmitidos pela tradição e, hoje, sempre mais recomendados por quem possui experiência comprovada no campo da formação espiritual: partilha da Palavra, projeto pessoal e comunitário, discernimento comunitário, revisão de vida e correção fraterna.
O valor profundo da alegria da OBEDENCIA, se experimenta nas pequenas coisas
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